José Carmine DianeseA universidade é uma instituição praticamente milenar, em franco progresso e não necessita ser reinventada.

Uma verdade básica é que a qualidade de qualquer instituição depende da competência de seus integrantes. A qualidade do pensamento, produtos e dos graduados gerados pela universidade depende basicamente da qualidade de seu corpo docente, também seu mais importante instrumento de marketing.

Além disso, depende da forma pela qual sua administração é organizada. Neste aspecto, a melhoria da instituição universidade brasileira se constitui na remoção de obstáculos óbvios, problemas de diagnóstico trivial, mas de difícil resolução, já superados ou jamais existentes nas grandes universidades do mundo.

Um passo enorme da direção do progresso futuro da universidade brasileira seria a remoção da eleição de reitor. Esta atividade transforma a universidade em um município qualquer, principalmente durante as campanhas, onde são gerados compromissos eleitorais. Além disso, ocorre o envolvimento de partidos políticos e de organizações sindicais absolutamente corporativistas, muitas ideologicamente radicais, das quais a administração pode se tornar refém. Entre nós há um testemunho candente dado pelo prof. Lauro Morhy- reitor eleito e no cargo por 8 anos - que corajosamente se declarou várias vezes contrário ao sistema de eleição, por ter sentido na pele as complicações que o sistema gera. Afinal, devemos e podemos ter universidades de esquerda? E de direita? Do PT? e do PMDB? Claro que não!

O normal no mundo de hoje é que, aberta a vaga de reitor, o fato merece ampla divulgação e competição em nível nacional e seria preenchida em um processo seletivo por um conselho superior, seguindo critérios estabelecidos em lei. De preferência, como ocorre por exemplo nos Estados Unidos e em muitos outros países, onde o reitor pode e deve ser oriundo de outra universidade. Com isso, seus compromissos serão exclusivamente institucionais e independentes da política interna da instituição e das influências do partidarismo regional e nacional.

O problema da escolha do reitor se complica quando se trata de eleição paritária, por ser inclusive ilegal (lei n. 9.192, de 21 de dezembro de 1995). Na UnB temos orgulho de nosso fundador, o professor Darcy Ribeiro, um educador, cientista e político, meu conterrâneo de Minas Gerais, cuja memória todos nós dizemos honrar, mas que na verdade a desonramos em parte ao nos esquecermos de sua feroz oposição à eleição paritária registrada em entrevista histórica à Folha de São Paulo em 27 de março de 1995. Mas, criamos o Beijódromo - uma designação ridícula para este belo memorial tão importante para a UnB e o país, e na revista Darcy jamais se mencionou esta posição anti-corporativa apregoada por ele. Na eleição anterior menos de 40 docentes em assembleia da ADUnB aprovou a defesa da paridade no Consuni pelos seus representantes e assim foi feito!!!

Interferência sindical exagerada- transformou a UnB e demais universidade do país com regime fundacional em meras autarquias federais, como produto final de uma longa greve, dita heróica e vitoriosa, durante o governo Sarney.

A FUB foi agraciada por Juscelino com 11 superquadras na Asa Norte - por que este imenso patrimônio não se tornou uma base sólida geradora de recursos permanentes? Não seria porque a UnB deixou de ser uma fundação? Por que não se tentou verificar o que faz, por exemplo, a universidade de Harvard, uma fundação rica e de sucesso? A riqueza atrapalhou a UnB?

Antes da grande greve, a UnB, graças à sua renda própria, podia e legalmente pagava salários melhores do que todas as outras federais - passou a depender da tabela nacional ditada pelo Mec.

Compromissos eleitorais podem levar ao mau uso do patrimônio. A UnB deu a seus imóveis no campus, uma aplicação mais social do que acadêmica. O destino deles deveria se limitar ao uso para atrair docentes para uma cidade de alto custo de aluguéis e para abrigar estudantes - inclusive e talvez principalmente, estudantes de pós-graduação.

Em segundo lugar, o futuro da universidade depende da implantação de um sistema de concurso público para docentes com um regime especial. Há que se legislar! O atual sistema tem de ser modificado:

1º. Atualmente, uma banca de três define o futuro de setor de um departamento, em vez de se ter a participação do departamento como um todo, de pareceres ad hoc externos e, a seguir, do conselho do instituto ou faculdade e finalmente de um colegiado acadêmico superior qualificado por lei, para se definir qual o candidato deve ser admitido - tudo isso de forma transparente e regido por lei específica.

2º. Somente o primeiro lugar deve ser admitido, se necessário abre-se outro concurso. Muitas vezes tem-se primeiro lugar nota 9,9 e o segundo aprovado com nota mínima- o primeiro não assume pode restar uma bomba – há que se legislar especificamente para o caso da admissão dos docentes universitários. - é diferente da seleção de burocratas – agora é mais ou menos igual.

3º. Nada de concurso com validade de dois anos. Concurso para professor deve valer por alguns meses, ou seja, justamente pelo prazo legal dado ao candidato para tomar posse.

Outro aspecto importante é a efetiva inserção internacional da universidade. Aqui não se trata de atrair estudantes estrangeiros de alto nível, devemos fazer o possível para atrair brasileiros formados no exterior, bem como, estrangeiros competentes para integrar o corpo docente das universidades. Isto hoje é raro de se encontrar, mesmo sabendo do alto nível de desemprego na Europa, por exemplo.

No Instituto de Ciências Biológicas da UnB, somente após o decurso de mais de três décadas, ao que me consta, apenas há pouco tempo, os departamentos de Botânica, contratou por concurso dois professores do Reino Unido. No entanto, em épocas de UnB realmente fundação, os embriões dos atuais departamentos de Fitopatologia e Ecologia foram construídos em dois anos sobre um núcleo de professores estrangeiros.

Esta abertura para importação de cérebros foi a razão do sucesso da USP em seu início e no pós-guerra e é extremamente valorizada, por exemplo, nos Estados Unidos, Canadá e Austrália. A titulo de exemplo, vejamos o que pensa a reitora (chacellor) da universidade da Califórnia – Davis, a primeira do ranking mundial em ciências agrárias. a reitora linda Ketehi é uma imigrante da Grécia, onde se formou em engenharia, tendo nascido na ilha de Salamis, com doutorado da universidade da California - Los Angeles, recrutada para o cargo por sua alta competência atestada inclusive por um grande número de patentes registradas nos estados unidos. Ela retrata o interesse de sua instituição em atuar internacionalmente para o seu próprio bem. São palavras suas no site da UC - Davis: “A menos que ofereçamos a estudantes internacionais a oportunidade de prosseguir as suas carreiras, pagar seus empréstimos estudantis e, se assim o desejarem, criar raízes aqui após se formarem, vai ser difícil atrair os melhores e mais brilhantes.”.

Além disso: outros benefícios aos estudantes internacionais “incluem a oferta de mais Green Cards para graduados em áreas que irão reforçar a inovação e a competitividade dos EUA, eliminando a exigência de que os estudantes estrangeiros que procuram se inscrever em uma universidade dos EUA provar que vai voltar para casa depois de completar seus estudos. além disso escreveu:

“A história recente diz-nos que todos os americanos irão se beneficiar de tais reformas. Na Califórnia, durante a década de 1995 a 2005, os imigrantes fundaram 2 de cada 5 “firmas” de engenharia e tecnologia. No vale do silício, fundaram mais da metade. Em 2005, as empresas que imigrantes fundaram produziram us $ 52 bilhões em vendas a nível nacional e empregaram 450 mil trabalhadores. Em 2006, os residentes estrangeiros apresentaram mais de 25% de todos os pedidos de patentes dos Estados Unidos” .

E conclui: “em meu papel como chancellor da UC Davis, eu vejo essas contribuições a cada dia. Penso em Carlito Lebrilla, que veio das Filipinas para estudar química na universidade da califórnia Irvine e UC Berkeley, e Kit Lam, um imigrante de Hong Kong, que recebeu seu diploma de graduação na universidade do Texas, seu doutorado na universidade de Wisconsin e sua curso de medicina na universidade de Stanford. Agora, são membros do corpo docente da UC Davis; estes homens brilhantes desenvolveram e estão trazendo ao mercado a tecnologia que pode nos dar uma maneira de diagnosticar o câncer mais cedo e de forma menos invasiva. Eu também penso em Ming Kuang, pois Ford Motor co. deve muito de seu programa de veículo híbrido a Kuang, um imigrante da China, cujo nome está em 40 das 461 patentes de tecnologia de carros híbridos da empresa. Kuang obteve seu mestrado em engenharia mecânica na universidade da Califórnia Davis, em 1991”.

Este é um pensamento arraigado na instituição universitária de países desenvolvidos. Importar cérebros, mesmo que isto se constitua em investimento de longo prazo. E a universidade brasileira o que faz? muitas vezes exatamente o contrário sempre pensando em renovar seus quadros com seus próprios alunos fazendo germinar e florescer a consanguinidade.

Muito ao contrário, a excelência universitária passa obrigatoriamente por uma inserção internacional efetiva- assim a universidade tem que se valer de um sistema específico de formação de seu corpo docente que envolva sempre a possibilidade de contratação competitiva de profissionais brasileiros, inclusive aqueles que estão no exterior, ou estrangeiros de currículos fortes com doutoramento em universidades estrangeiras bem ranqueadas internacionalmente. Hoje com a crise na Europa e o baixo nível de emprego nos EUA, está na hora de atrairmos talentos desses dois mercados, como sempre eles fizeram. No entanto parte do nosso grande investimento no programa “ciência sem fronteira” está em enviar alunos de graduação ao exterior por alguns meses a um ano. Justamente atendendo ao interesse das universidades estrangeiras, sedentas de dólares e em busca de jovens talentos para serem lá incorporados empresas e instituições oficiais. Ao meu ver, este programa para ter sucesso deveria oferecer bolsa de doutorado para alunos de universidades federais e estaduais graduados em primeiro e segundo lugar de suas respectivas turmas de graduação e para aqueles com mestrado em programas de boa avaliação perante a capes. Com isso, ao médio prazo, seria estancada a consanguinidade em nossas universidades, pois nada melhor para isso do que um doutorado em boa universidade do primeiro mundo. Infelizmente o pós-doutorado não surte o mesmo efeito. Porém, mesmo assim professores com doutorado no país devem ter a obrigação regimental de um pós-doutorado em univ. estrangeira líder- com compromisso de produção academicamente significativa – produção está publicada em periódico de alto padrão. Pós-doc sem produção mereceria punição.

Finalmente, a indispensável inserção internacional depende de produção de alto nível. Na universidade eficaz, em todo o mundo, isto depende de estudantes de pós-graduação. Para isso, devem ser proibidas as chamadas teses de gaveta- sabe-se de situações em que se orientou uma dúzia de alunos e praticamente nada se publicou ao custo de quase um milhão de reais apenas em bolsas; pior ainda existem ainda entre nós pessoas, até coordenador de pós-graduação, que consideram um absurdo gastar dinheiro com pesquisa e publicar no exterior, como se a ciência fosse compartimentada e não pertencesse à humanidade. Será que para eles os bons resultados devem ser mantidos em segredo?


Zapping - UnBTV

Na quarta Sessão Pública da comissão UnB.Futuro Eric Rabkin discutiu as perspectivas da educação para o futuro. Veja a matéria produzida pela UnBTV sobre o evento.

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